
Pier Paolo Pasolini é apontado com um dos mais fecundos intelectuais italianos de século XX. Poeta, ficcionista, ensaísta, crítico literário, teatrólogo, linguista, argumentista, roteirista, cineasta, teórico de cinema, interessou-se ainda pelas artes plásticas, escreveu inúmeros artigos em jornais e revistas e manteve uma intensa correspondência com amigos e leitores. Saló ou os 120 dias de Sodoma, uma das obras mais perturbadoras da história do cinema, é posto nas telas em 1975 e havia acabado de ficar pronto quando o multiartista foi brutalmente assassinado.
Trata-se de um filme forte. Assim como ao assistir Calígula fiquei impressionado, com Saló, não pelas perversões sexuais, mas pela força da violência deste filme ou o modo como Pasolini utiliza a imagem para tratar do lado mais escuro do homem. Com cenas explícitas de sodomia, violação — e tudo sem findar em pornografia — e homicídio, Saló imprime uma grafia que sendo meticulosamente executada, seja pelos bons planos fotográficos, seja pela aproveitamento das tomadas de câmera, é capaz de nos chocar. Sim, o seu propósito é de ser um soco no estômago numa ocasião em que mesmo a realidade parece não ser mais capaz de nos produzir qualquer choque.
O filme é baseado livremente no romance do marquês de Sade, Os cento e vinte dias de Sodoma ou o elogio da libertinagem (1782–1785). A narrativa se funde em três círculos — o da mania (perversões), o da merda (coprofilia) e o do sangue (tortura e morte); nas histórias do Marquês de Sade (“Círculo de Manias”, “Círculo da Merda” e “Círculo do Sangue”).
Na província de Saló, ao norte de Itália que estava controlada pelos nazi-fascistas, em 1944, quatro altos dignitários reúnem dezesseis exemplares perfeitos de jovens e levam-nos para um palácio perto do Marzabotto juntamente com guardas, criados e garanhões. Além deles, há quatro mulheres de meia-idade: três delas se põe a contar histórias provocantes. Pasolini quis fazer dessa peça, o retrato de uma Itália controlada pelo horror, sobretudo, as vias de controle do corpo, aqui mediadas pelo prazer.
Dominação e submissão como poucas vezes se viu no cinema. E não para reafirmação desses valores desumanizadores mas como reflexão; o sexo como metáfora de poder no homem. Aí está o tema da anulação do outro, como se um grande grito do cineasta, sobre o desfiladeiro para o qual a humanidade estava a ser arrastada.
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